Promessas velhas de um Ano Novo


*Por: Mayara Vellardi

(se for compartilhar, cite a fonte e a autoria, please!)


Estava andando no centro da cidade e encontrei uma lista com tantos sonhos e afazeres que fiquei pensando sobre a vida de quem a perdeu... será que essa pessoa está por perto? Olhei e nada vi em volta. A não ser uma multidão correndo para lá e para cá, com uma pressa vazia e o olhar perdido.
Não resisti e comecei a ler o conteúdo daquela folha de papel:

“Beber mais água, emagrecer 7 quilos, comer de forma mais saudável, sorrir mais, trabalhar dentro do meu horário, passar mais tempo com a família, economizar dinheiro para viajar nas férias do próximo ano, brigar menos com meus filhos, ligar para meus pais com mais frequência, ir às festas que me convidarem, fazer atividade física todos os dias, estudar um novo idioma, dar mais atenção ao meu cachorro, deixar de ficar chateado com coisas bobas...”

Eu jurava que a lista tinha sido feita por uma mulher até a parte do chateado... de certa forma isso me chamou a atenção, por isso decidi continuar lendo e dentre os diversos itens que não vêm ao caso agora, o que mais me preocupou foi a parte final... “Parar de fingir que eu tenho uma vida e começar a viver de verdade, mas se isso não der certo, acabar com tudo de uma vez”. Eu realmente tinha que descobrir quem era essa pessoa. Notoriamente esse alguém estava com depressão e precisava de ajuda, mas como descobrir quem era?

Primeiramente eu estava procurando por uma mulher de meia idade, depois comecei a procurar por um homem de meia idade, mas ao ler a última frase, compreendi que poderia ser qualquer pessoa.
Comecei a observar o papel, ele estava bem dobrado, como se tivesse caído do bolso de alguém. 
Notei também um perfume agradável vindo dele, algo entre o cítrico e o amadeirado, parecia até uma mistura de duas fragrâncias. Porém, as pistas mais marcantes foram os resquícios de batom vermelho e sombra azul meio borrados como se fossem aquarelas pintadas com lágrimas.

Chorei desesperada porque não sabia mais como procurar essa pessoa, fiquei confusa, pois não tinha ideia de como seriam as características físicas do autor ou autora desta angustiante lista. Decidi voltar para o local que eu havia encontrado aquele papel. Se a pessoa que perdeu estivesse sentindo falta, com certeza, estaria por ali. Bem, você pode estar se perguntando o porquê de eu estar tão preocupada com isso. Eu posso explicar de forma bem simples.

Tenho todo o tempo do mundo! Estou de férias do meu trabalho e não tenho mais ninguém com quem me preocupar. Todas as pessoas que eu amei morreram, desde então fiquei sozinha tentando juntas os cacos da minha vida. E quando li essa mensagem, entendi que essa pessoa pode estar passando pela mesma situação.

Voltando ao assunto principal, comecei a prestar atenção nos funcionários das lojas e percebi um rapaz com aproximadamente uns 23 anos que estava cabisbaixo. Ele colocava a mão em seus bolsos e olhava para o chão como se procurasse algo. A loja que ele trabalhava vendia maquiagens e perfumes, então as fragrâncias misturadas e os borrões de maquiagem provavelmente vinham dali.

Me aproximei devagar e expliquei que havia encontrado aquele papel no chão. Perguntei se era dele e se poderíamos conversar. Ele assentiu com a cabeça e ficou um tanto quanto sem jeito. De qualquer forma, marcamos de tomar um milk-shake ali perto assim que o expediente dele terminasse.

Conversamos por muito tempo, descobri que os pais dele haviam morrido há alguns anos e que ele não tinha mais ninguém, nenhum outro parente ou amigo e que estava perdido no mundo, sem saber o que fazer ou como reconstruir sua vida. Ele havia criado aquela lista com base em tudo o que ouvia das demais pessoas, sonhando com diversas possibilidades.  

Naquele momento, contei um pouco sobre minha vida, minhas perdas e dores. Choramos juntos e sentimos um a dor do outro. Prometemos passar a meia-noite juntos e assim foi. Percebemos que, em geral, as listas das pessoas têm vários itens, mas a nossa tinha apenas esses: sobreviver a mais um dia, começar a viver intensamente e encontrar o sentido da vida em meio a tanta superficialidade de um mundo louco e doente.

Por fim, tudo aquilo que parecia um ponto final, se tornou esperança e aquele ano velho foi renovado em meio a antigas e novas promessas de uma vida melhor.

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